quarta-feira, 19 de outubro de 2011

“Cecê de Gambô”







...Defendendo quem, mesmo?
...Ah, as próprias patacas...









“Cecê de Gambô”


Pra defender alguém sem posses ou cartilha,
E que possui só um atestado de pobreza,
É que o país destina aos pobres a nobreza
De um defensor pra aliviá-lo da armadilha.

Pobre não paga advogado ou faz partilha
De honorários com ninguém em sua mesa.
Pior. Não chama pro café, pois na dureza
Sustenta filho, pai, irmão... toda a família.

Mais foda ainda é o oposto da engrenagem:
O defensor do popular é um cabra rico,
Que ganha mais do que um juiz, fora a milhagem

Que acumula quando vai pro exterior.
E ainda cobra um reajuste de salário,
“Porque lidar com preto e pobre dá fedor.”


(F.N.A)

“Etapa Final”






...País sem planejamento dá nisso...





“Etapa Final”


Começa o jogo e o Seu juiz apita em cima.
Falta no lance, mas o zagueiro estava longe.
- Não adianta vir fazer cara de monge!
Toma um cartão e segue o beco rumo acima.

Carta marcada em jogo feio não combina,
Mas é assim que funciona o ano inteiro.
Tem uma turma que vai cedo pro chuveiro,
Enquanto outra parte o bicho e a propina.

Segundo tempo: o país está por um triz!!
Ninguém anotou. Súmula velha não se anota
Pra que não sobre punição pra quem desdiz.

Campo encharcado, sem drenagem, muita lama:
Mundo do Esporte. E tem ainda quem arrota
Que após o jogo vai levar alguém pra cama.


(F.N.A)

“O Aperto do Parafuso”





(Livre artigo sobre o livro “O Bordado da Urtiga”
do jornalista e poeta Gilson Cavalcante.)





O poeta é um fingidor, como atestou Pessoa. Em matéria de versos magros, sempre soube que eu fingia e que todos fingem em menor ou maior proporção. Mas há fingimentos e coisas que estão aí - cruas verdades.

Não fosse só a contemplação frente a um exercício de estilo e a criatividade estalando a copa dos neurônios, o livro premiado do poeta Gilson Cavalcante, mesmo assim, não passaria despercebido. Quando lançou sua nova brochura de abstrações e de recolhimento da arte do estado inerte, tomando a força do verso no inconsciente, despertando-o quando necessário até se tornar palavra e assoviando sons aliterantes sobre o papel, o jornalista, morando em Taquaruçu à época, anunciou seu cabedal de coisas inexplicáveis do “Bordado da Urtiga” por lá mesmo, num estabelecimento que tocava – um Café.

Sempre fui notadamente afeito ao gosto ultrapassado do parnasianismo, mas não deixava de tentar entender a graça sincera que os versos brancos do modernismo de Andrade e Cassiano Ricardo cabiam a meus ouvidos que liam e lêem tantas conversas mortas no cotidiano.

Para chegar à poesia moderna, o certo é que um poeta conterrâneo paraense, o Ney Paiva, havia me presenteado há alguns anos com o livro “A Nave do Nada” – Este um aficionado pelo gênio de Max Martins e ele também um beneditino que escreve no claustro que Bilac perfazia sobre o ofício do poeta que, como um ourives, trabalha e teima e lima e sofre e sua na busca pela Palavra exata – palavra em jóia onde o quilate se desprende do valor do codificável e Tântalo afasta tudo o que é comum das mãos.

Comparações a parte de que o verso poderia ser um processo da ourivesaria, as palavras dos poemas modernos, tão sem rimas em seus cadenciados estranhamentos, me chamaram maior atenção já naquele livro introspectivo de Paiva e me prepararam para o que poderia vir a ler, como a poesia de um colega de profissão.

A poesia de Gilson Cavalcante é fácil desvendá-la, de entendê-la nas palavras claras com que escreve; o difícil é mensurá-las e descortiná-las em seu significado irrestrito. Um artigo não lhe cabe os poemas revelados: não são apanhados de mesóclises, versos alexandrinos, cesuras ou de figuras de linguagem intrincadas beirando oximoros de alguma coisa sacra do Barroco brasileiro; contato se apega ao sons e coisas etéreas do simbolismo mais Pessaniano que exista. Para mim, isso me foi mais cruel: desapegar o ofício de poeta e contemplar que a palavra independe do aspecto, da junção de letras silabadas ou dos aglomerados de figuras abstratas complexas dos fonemas que se articula, ou mesmo do meio onde circula em bocas mal pronunciadas ou em abreviações desconexas da linguagem de uma grande leva de jovens cibernautas.

O Bordado da Urtiga, por mais que pareça, não é um livro fácil e para lê-lo é preciso exercício de entendimento, de maturidade, de desprendimento. Há uma confissão em cada poema e nisso reside a coisa mais genial: o Gilson consegue exteriorizar mensagens mais guardadas – coisas que madrugadas boêmias e serenatas de amor na rua são bem capazes de fazer, mas que poucos tem coragem (ébrios, talvez).

Ninguém se arrisca a sangrar no papel à vista alheia e dizer o que pensa, mesmo que poeticamente. O Bordado é um livro de dor, de satisfação, de amor, de confidencialidade, de sensualidade e de existencialismo – tudo isso sem ser piegas. Há uma construção madura em seus versos que aproximo da contemplação bestificada sobre o mundo no universo Drummondiano, da mesma forma como o poeta vislumbra ecos do existencialismo do fim dos tempos modernos que Rainer Maria Rilke estetizou em seu “Livro das Horas” ou quando serena o poço seco das lágrimas em considerações sobre os relacionamentos em linhas perigosamente maliciosas como Baudelaire.

Pecar ao ponto
Do carbono original
Que a carne nutre
(...)
A ser vício da serpente
Desfruto da árvore da volúpia
(...)
Pecar é meu divórcio.


Em todo compêndio da nova safra de poemas, um em particular sintetiza a busca do autor pela força das coisas em movimento, do autoconhecimento, do ajustar-se consigo não só porque o mundo exige, ou da rudeza das coisas revistas no autoconhecimento.

Nunca me dou por vencido.
O resto que me sobra é asfixia e sombra.
Deixem-me partir, estou atrasado.
Levo para o futuro a fisionomia macia dos parafusos.
Vou apertar meu outro lado.


É por conta disso que o livro do Gilson recebeu premiação digna de nota e isso é reconhecimento justo. Ideal seria “sua confissão do não claustro”, sendo ele um poeta das ruas, dos lugares notívagos, das vivacidades, chegando a mais gentes em bibliotecas, escolas, bares, noites.

Pressuponho que a ordem natural das coisas seja a descoberta deste apanhado de ótimos poemas ao acaso, sem o rigor da obrigação de sua leitura em alguma lista de vestibular, numa natural busca pela beleza do versejar. Mas, que não seja uma defesa bairrista de que temos produção de quilate raro em jazida pouco afeita a dar ouro – a qualidade de um livro isolado num cenário nacional de pouca produção editorial de poesia. Isso desencoraja, pois, afinal versos não vendem, diz o mercado. Mas, se assim fosse sempre, poetas como Gilson manteriam-se guardados. Cabe aí o desnudamento da arte composta e o compartilhar dessa mesma arte sem distinções sócio-culturais.

O Bordado da Urtiga é um livro excelente, porque não mente para seu público – e só quem lê livros assim sabe quando um poeta é um fingidor, que chega a fingir a dor que deveras sente. No caso deste, não há fingimento aparente. As coisas lá são como são, daí arderEm abrasivas como urtiga aos olhos surpresos de quem tomá-lo para ler. Nessa, Pessoa errou feio.



Fredson Aguiar

terça-feira, 4 de outubro de 2011

"A Vingança de Montezuma"







...Ele não pára! Ceifa companheiros, destrói alianças, mente bastante, vitupera aos rincões da inconsequência naquela bebedeira larga que enfeita seus atos de irresoluto fuzileiro naval...







"A Vingança de Montezuma"


Filho bastardo e perverso do senhor
De engenho que nos mói há tantos anos,
Quem haverá de interromper teus planos -
O destino, a tragédia ou algum tumor?

Ninguém te sabe os índios que encantaste
Com espelho de Brasília quando eras
Senhor por oito anos dessas feras
Até que um leoa o fez mascate...

Voltastes sorridente e nem a perda
Das células mortuárias do teu filho
Te acalmou o gênio e a malvadeza.

E segues Espanhol espalhando a bruma
De sangue sobre os corpos no junquilho
Que insurge a provação de Montezuma.


(F.N.A)