sábado, 26 de maio de 2012

"Vagalume"






...Nada morre ao chegar a noite...







"Vagalume"


Noite, imensa presença de meus genes,
Que o ar cortando as folhas esquecidas
Deixa as solidões mais frias e perenes
Numa extensão cruel da minha vida;

Noite, imortal manto de orvalhos e betumes,
Âmbar na casca de uma árvore eterna,
Mostre o caminho por entre os vagalumes
Pois bem me perde o passo a maior perna;

Nutro o silêncio, como as rãs no capinzal -
Carpindo estrelas ressentidas no arvoredo,
Ensaiando coaxos num pijama do varal;

Noite, cantiga de meus sonhos inda tortos,
Amo o mistério lupanar de teus segredos
Que passam dias, não sucumbem mortos.


(F.N.A)

"Os cães de Lázaro"







...Não, não é fidelidade canina. É só oportunismo...








"Os cães de Lázaro"


Hoje acordei feliz. Nem acredito
Que em meio a chagas não desfeitas
Pudesse encontrar riso bendito
Que dissecasse dores rarefeitas.

Foi só um sorriso tímido, conciso
E os dentes nem sequer se abriram tanto.
Pudera, o meu sorriso foi de espanto.
- O mundo anda doente e isso é um aviso!!

Sorri das pobres bestas dessa Terra,
Que nutrem da incerteza em suas vidas,
Mas beijam, do inimigo, os pés na guerra.

E muito andam felizes em sua fome -
Mal lambem da fibrina em suas feridas,
Mas latem por seu dono quando comem.


(F.N.A)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

"Circo"








...Alô, criançada, o Bozo chegou......









"Circo"


Tudo acontece agora - este segundo! -
Que agora tudo acontece em meus sentidos:
Abro do crânio meus sonetos preferidos
Que degustaram o cogumelo de meu mundo;

Rasgo perfis de enxaquecas registradas
E um arquivo pentateuco aonde guardo
Sociopatias e os versos de algum bardo,
Dores do amor - e todas derribadas.

- Sabes, meu Gênio que azucrina ao ouvido,
Quando desterro muitas coisas mortas
Vejo o atestado de um homem falido?!;

E em tudo vejo a mesma força cênica
Dos que não sabem suas presenças tortas
Na estrutura dessa coisa endêmica.


(F.N.A)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

"Princípios da Gravidade"






...Sempre vem de cima, nunca de baixo. Fato.





"Princípios da Gravidade"


Uma galinha no poleiro ergueu a asa
E acertou com a revoada outras galinhas.
Havia dias reclamava da vizinha,
Que empoleirava logo acima de sua casa.

Um galinheiro de fazenda é um pardieiro,
Não como as raias anti-sépticas da granja;
Dormem empilhadas, tem ausência de banheiro
E a gravidade em cada costa se arranja.

Disse a galinha que andava revoltada:
- Sou botadeira e bem mereço mais lugar
Que essas penosas que não botam ou chocam nada.

Na mesma hora, um galo acima lhe cagou
Sobre a cabeça, que a galinha a se esquivar
Se recolheu sobre o poleiro e se calou.


(F.N.A)

"Regresso"




...Uma praia fria, na tarde fria de um sol tão frio numa casa fria de uma estória fria, mas tão fria, que congelou...





"Regresso"


A Solidão partiu da própria casa
- Um resto de casebre na restinga -
Levando um gole amargo na moringa
E uns trapos de saudade em sua brasa.

Andou até uma praia em que as águas
Nas ondas encharcadas de um estaleiro
Mancharam os seus pés de um sal grosseiro
Da lágrima alcalina de suas mágoas.

De um lenço esfarrapado feito a linho
Limpou do olho seco as alergias
Da poeira que herdou pelo caminho

E seguiu sem se lembrar em que estação
Do porto disse adeus ao Sol dos dias
Que ardia em tanto inverno seu verão.


(F.N.A)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

"A um rato morto"








"A um rato morto"









I

Manhã fundamental de todo dia,
Em que passamos mortos ao trabalho,
Mordendo da rotina do espantalho,
O fardo comensal da alegoria.

Mal caibo (minha veste) à fidalguia
De um terno amarrotado a ocasião.
- Das roupas que eu compro em promoção,
Minha sombra de zumbi se aprecia.

Eu passo, como passam atarefados
Fantasmas da Matrix nos casulos,
Dormindo o mesmo Cosmo congelado.

E, assim, em meu tambor se principia
A sanha da batalha onde eu anulo
A força vegetal que me esvazia.


II


Encontro-o na sarjeta dia desses,
Um rato mal nutrido e acinzentado,
As nesgas de seu pelo em mal estado
Abriram sua costela umas mil vezes;

Um rato em que parei, não sei?!, a olhá-lo
Da casta mais distante e evoluída
Em que padecem os monstros dessa vida -
De onde eu não pudesse abraçá-lo

Na fúria mais fremente - o fatrícidio
De quem não se esquivou do Ser moderno -
À escala de animais o genocídio;

Pensava em tantas coisas às comportas:
A sétima razão (o olhar mais terno)
E as coisas que apodrecem quando mortas.


III


Bebia àquela cena em algum registro
De como quem esquivou da ratoeira
E achou de alimentar a prole inteira
Pudesse padecer pagando a Cristo?!

Mal lembro do meu terno inchado tanto
Com as tralhas que acumulam-se ao bolso;
Sequer um guardanapo ou um reembolso
Em seu cadáver pus formando um manto.

E quando dei-lhe um chute numa perna,
Senti a rigidez nos pobres músculos
Quebrando suas práticas paternas

De igual o mundo fora em que fugia
Sumir como uma mosca no crepúsculo
Voando à uma carcaça muito fria.


IV


Ponderações que fui, pensando à noite
Na rede bem encharcada em meu suor,
Lembrar quando atentava minha vó
Com ratos que matava por açoite.

Pensei, comendo lascas de um queijo,
Na força das matilhas verdadeiras
Que unem-se a assaltar uma tropa inteira
Caçando comensais em seu aleijo.

Dormi e ainda estava aquele rato
- Sua forma correlata de um defunto
Que morre, mas assusta por contrato -

Presente em meu instinto traiçoeiro.
A Humanidade mata e segue junto
Àqueles não vence - por dinheiro.


V


O dia amanheceu e então, doente,
Na fome indescritível em constatar
Na rua em que morreu sem se notar,
Segui no faro o sangue ainda quente

E lá estava ele... o mesmo jeito,
Mas quase esfacelando-se em tralha;
Um dia. Transpassou-lhe uma mortalha
De cinzas, de poeira e defeitos.

E ao mínimo espetáculo da morte
Se empilha um curioso a assistir
Que muito por acaso teve sorte.

Igual àquele rato seguem juntos
O vício e o humanidade a coexistir
Do Nada a que destinam-se os assuntos.


(F.N.A)