quinta-feira, 30 de julho de 2009

"A Sagração do Cometa"


...Recebi emails solicitando a publicação de um poema, de 2007, que fiz em época natalina e que cheguei a distribuir a amigos.

Atendendo à solicitação, ei-lo postado, logo abaixo... E tenham paciência os que não conhecem, pois ele é longo, mesmo...



"A Sagração do Cometa"


A flébil conjunção dessas partículas
Baixíssimas de água e de mercúrio
Repartem, como seiva nas cutículas
De Deus cobrindo o mundo a mil espúrios.

Eu rasgo, como um grande terremoto,
Os céus das geodésicas balanças;
E o rastro de terror ao rincão remoto,
Farei cuspir ao chão sobre as crianças.

Na minha ignota cauda suicida
De astro de infinitésima grandeza,
Agrego um panteão de pesticidas
No enxerto moluscal da alma tesa.

Eu sou este cometa que aproxima
No resto de impulso magnético,
Que aos pólos do esplendor se alcalina
E cospe o Aeon num mundo cético.

O bólido previsto em pergaminhos,
O astro imortal dos povos Maias,
A estrela comensal do extermínio,
A estúpida explosão que seca as praias.

Eu venho das províncias dos quasares
E o próprio ser Galactus não sabe,
Que minha nanotérmica nos ares
Extingue o sabor álacre do wasabi.

E foi por esta Terra em meus espaços
E gramas duma escala em GPS,
Que a raiva do esplendor dos sóis de aço,
Mandou-me extinguir o mal que cresce:

Das águas que as usinas toldam o leito
Às pontes vacilosas sem energia,
Dos homens que partilham o pão e o jeito
Com porcos numa esplêndida bacia.

Eu venho sobre as minhas radiações
Das forças do Urânio e do argônio,
Dos elementos ricos em frações
Nas fábricas divinas do Plutônio.

Dançando a balalaika em assustados
Prontuários dos bacilos virulentos;
E as pragas de Moisés e os cães danados
Trarei, inanimado pelos ventos.

A faca que estripa a velha freira,
O tiro que assassina a missionária,
O falso homicídio à ilha inteira
E um corpo consumido em causa vária.

Eu trago sobre as árvores dos campos
E os rios que te cortam entre dois fins,
As chagas que azedaram pirilampos
E amaram por ter ódio a teus confins.

Do nada que deu certo e tudo errado,
Eu busco combalir num pé de cabra
O filo hereditário de um capado
E o hansen num bacilo à força braba.

Porque o sacrilégio desta terra
Foi dar as mãos às mãos do lisongeiro
Encarnado que os pecados vocifera
E come com enxofre o mundo inteiro.

Oh! Terra de traição e mesquinharia,
Que herdou de todos cantos suas castas
- Do sul, do norte, oeste e pradarias –
Em bases de celenterados que lhe engasta.

Assim que meu ocaso abrir a esfera,
Num ergástulo e em sêmen liqueifeito,
Irei desfecundar tua atmosfera
E o leite do cerrado no teu peito.

Irei secar os poços e as cacimbas,
Tornar inférteis campos e mulheres,
Arder brasa nos ossos, como guimbas
E o resto esquartejado do Alferes,

Cegar de um a um os cães inválidos,
Os velhos e os moços irão também
Comer da pasta amarga dos Ramalhicos
E a orquídea negra às praças de Belém.

Enquanto houver terror em minha cauda
Funesta de um anjo do senhor
- Alçado à condição de vingador –
Imolarei os ventres numa lauda.

Escrita pelo próprio Nostradamus,
E um anônimo eremita e um essênio.
Porque minha incerteza seca ramos
Da árvore infrutífera dos Helenos.

E o óleo nodulento de um veneno
Irá matar nos cantos do cerrado,
Como um vampiro além do Rio Reno
Aos pastos esquartejando a grei de gado.

Subindo às plantações, evoluíndo,
O gérmen de um trigo condenado,
Que singrará por trilhos, consumindo
O diesel nesses cofres refinados.

Eu trago a nebulosa pelos flancos
Em retrotransmissores de ondas raras
E as lástimas de Eckens nos Saaras
E Halley no meu gelo seco e branco;

A sexta profecia dos perdidos
A doze de dezembro deste século,
Um múltiplo de dois, abaixo o sétuplo –
Futuro de um elíptico rotativo;

O canto obsidiado dos aidéticos
E o fungo que roeu teus dedos lassos
E o quanto eu dispersar nos próprios passos
De um astro que vagueia, cibernético;

Eu raspo as costas nuas da Eritréia
E as civilizações disseminadas
Conhecem-me na alcunha praguejada
De "Anjo Ceifador de Laodicéia";

Meu rastro destruidor de pó e halos
É o mesmo que João mirou de Patmos
Num fosso indefinido de estáticos
Segredos, castiçais e medos claros;

O dobrador de espaço em ato inverso,
Sucumbe à minha grandiosidade
E os seres que aniquilo são a metade
Do cancro respirado no Universo;

Daí, os que habitam este cerrado,
Espelhem meus idílicos clarões,
Na crista da retina em convulsões
E a bílis besuntada em pão minguado.

E o cheiro armagedônico que trago
É a síncope do breu e da amônia,
Colhida pelos céus da Macedônia,
No iaque estrangulado pelo bago.

Porque não sagrarei pelo meu canto
No olor do cuspo cósmico e intenso
A benzer corpos queimados de incenso,
Que é a oração dos castos santos.

Despencarei por entre paliçadas,
Caindo em negros sacos de silício,
Carbonizando o sol num precipício
E todo Jalapão em mil braçadas.

Farei na engenharia do coveiro,
O túnel que unirá a Terra ao Umbral,
Rasgando em cânions o Brasil Central,
Em falhas naturais até Pequizeiro.

Não sobrarão varões de Manassés
E a velha telurista em Natividade;
E, em Tiatira, soprará esta Verdade –
Que minha Ira afogou-os pelos pés.

Galoparei o lençol freático na barra,
Desse tecido de estratégia equivocada
E manterei em líbio cárcere a enxada
Que fura artesianos pela marra.

Quem fez Natal palanque interesseiro
Às custas da ameaça no carguismo,
Destinarei seu cú no priapismo
E ao sádico Abadom, o Carniceiro.

Àqueles que a pulstar da histeria
E ao cálculo bazófio de seus genes
Clamarem meu perdão, pois me acenem,
Que assim, os chamuscarei com chamas frias.

Nem gritos ou abalos... Nada. Nada
Terá da minha magnificência
A piedade tosca da luminescência
De minhas fotocélulas zangadas.

Assim que o céu espocar que nem um crânio
E a massa atmosférica rarefeita
Queimar diuretada à baioneta,
Irei pulverizar o teu gerânio.

E os mortos subirão dos breves quartos,
Louvando meus pavores quanticistas
Ao Demolonomicon dos satanistas
E ao livro de Balkan que sangra partos.

Porque nenhum ruído dessa queda
(Estampido que deixou o diabo surdo
Ou bala de fuzil às mãos de um curdo)
Irá se sobrepor à minha moeda:

Sestércios de catodos e raios raros,
Minados da cratera em Wolf Creek
E nas jóias da cabeça de um cacique
Que faz do inimigo, penduricalho.

E até os poraquês que estão nos tanques,
Numa fritada cósmica, deixarei,
Discriminando os valetes desse rei
E os cães que delataram Anne Frank.

Um rei tão ilegítimo, um mouco;
E uns nobres tão incautos e bisonhos –
A corja que herdou o Poder medonho
E, nele, enlouqueceu de pouco a pouco.

Por isso, na patrol de minha pisada
(A retroescavadeira intra-estelar)
Irei terraplanar de lar em lar,
Plainando a lassidão dessa privada.

Raspando, das paredes duma fossa,
Os poucos vermes baixos que sobrarem
E o creolinilizando os que atacarem
Com raivas de albedo em ondas grossas.

E quando os imolados desse Graal,
Da raça das Figueiras e das Dianas,
Arderem em fogo-fátuo uma semana,
Meu Corso irá ao Último Portal.

No meu contratualismo medieval,
A lógica de Hobbes está cingida;
E não diferenciarei gente fingida
E a todos queimarei num forno igual.

O guarda, o carpinteiro e o Fontenelle,
O prefeito, o jurista e o açougueiro,
Na brasa, eles é que serão os primeiros
Churrascos na fornalha de Menghelle.

Na graça de um pavilhão de sóis,
Que implodem radiações desconhecidas,
O último planeta encontra vida
No ar alambicado dos álcoois.

Em cada casa e quadra de arlequim,
Atentem temerários reis do Norte:
A marca ensangüentada ao passaporte
Os impingirá o Tratado de Nanquim.

Na espada de meu halo incandescente,
Que irá, que nem um anjo de Moisés,
Cortar pela cabeça os infantes pés,
Há um sopro de cerrado em meu presente.

Porque, na hecatombe que haverá,
O conto de Munchausen é de verdade,
Pimenta malagueta já não arde
E pedófilo padreco cessará;

Os Bórgia do Cerrado não irão
Roubar, como já agem há trinta anos;
E o Nicolau com sangue de goiano,
Capado, há de morrer sem ter perdão.

E sob meus impactos de supernova,
As gangas desta terra tão austera,
Ao solo crescerão em meio às feras,
Numa Era Gemológica das covas.

Em quartzos, topázios e ametistas
E o quilate agourado de Heron-Allen,
Dos ínferos, espero que me falem
Se alguns hão de os salvar os Kardecistas.

Porque na minha mira de obus,
Cingido pelo cofre de Rei Luís,
Nas jóias que a jovem Tudor quis,
Galantemente as explodirei num pus.

E quando meus sonoros meteoritos
Bradarem num abre-alas meu alarme,
No anúncio astro-bélico da carne,
Verão que não adiantam tantos gritos.

Mas temo, caso Deus esteja atento,
(Na hora universal que nunca dorme
Aonde há os planetas mais disformes)
Influa na energia do aposento.

No seu rincão e luto de Deus-Longe,
No chambre – a casa mágica do átomo –,
No fungo que azeda este pão ázimo,
No mundo espiritual onde se esconde,

Que venha o Arquiteto em intervenção
- Ação fora do prumo em meia Era –
Depois de tantos mortos nas crateras
Nas valas de Saigon e de Assunção,

Nas clandestinas covas em Carajás
E no fosso escravocrata de um sujeito,
Que afina no bigode o mau preceito
E passa por bom pai dos Orixás;

Ou nas cadeiras rotas dos inválidos
- Umas vítimas de tiro em Papagaio
A mando de um patrão em cavalo baio,
Que arma traição em votos válidos;

Que venha como a Luz antecessora
Do Ser que me interpôs os rodopios
Na Terra de Levi, onde Papas Pios
Degolam os mouros na masmorra.

Eu temo que essa Luz que se apieda
De monstros incomuns entre outros monstros
Acoite esta escala de mil angstrons
Na força negativa que azeda.

Aos broncos seres rudes do cangaço
- Herdeiros que cultivam este solo –
Lhes dando o que bem deu a Marco Pólo:
O tempo a descobrir da seda um traço.

Porque na Mansidão do Ser que rege
Os sóis e os desencontros de estrelas,
A sua solidão não deixa enchê-las
Do ódio do cristão sobre o herege.

E sei que meus estrábicos melotrons
- Os sons armagedônicos do impacto -
Num psicodelismo bem barato,
Emulam um coral cósmico de sons,

Abaixo da ianosfera numa concha,
Cobrindo o Tocantins numa redoma,
Nas curvas de um teatro de Sodoma
E que os sons do Apocalipse destroncha.

Um misto de Rembrandt e Mendelssohn,
A música do Caos destruindo abrigos
Até sentir furar meu próprio umbigo
À voz de Karin Dreijer Andersson.

E sei que sobrará a Cruz dos Pretos
E os arcos do Palácio e o frevedouro;
E de ninguém lhes arderá o couro
Do fogo que possuo em carburetos.

Porque muito imagino que o Senhor,
Num ato redemptório da Consciência,
Anule sua omissão e a concupiscência
Em ignorar os mortos no Terror

Ao longo destes séculos fingidos
- Do Reich, de Cabul e de Angola -
Aonde corpos vários nas sacolas
Enchiam a cruz dos cães arrependidos.

E temo que, às mãos do meu destino,
O Ser que engendra os eixos cartesianos,
Anule a sagração dos meus radianos
De meteoro impávido e assassino;

E estanque meu trinar de Anacreonte
E o grito de Cyndel que, à voz ranzinza,
Viria pra infestar o ar da cinza,
Que exterminou na Terra o mastodonte.

Porque na minha linhagem de cometas,
Que são Anjos da Morte sofredores,
O mundo que conhece os dissabores,
Já sabe até o sabor dos meus gametas:

Claros torrões da lava de Mercúrio
E sôfregas, de Hades, ondas mortas –
Fina cangalha em labaredas tortas
E o conceito oriental de Furyo.

Mas, pode vir o Pai sobre este domo
De gentes e animais da Zona Norte,
Cuspir um vendaval de cosmos, forte,
E estraçalhar as fibras do meu gomo.

A Ira que desando é um Mal curável
E o Begbie raivoso do meu Eu
Anula minha lerdeza de Morpheus
Num código Matrix indigitável.

E muito antevejo, antes que rompa
As nuvens rarefeitas deste estado,
O ato contra-ataque beligerado
Da força do Divino ao som da trompa;

Porque se já o conheço doutro Lar,
Na paz de sua lágrima perfeita,
A Rendição de Deus que aos homens espreita,
Talvez me pulverize em pleno ar.



Palmas, 18 de Dezembro de 2007



(F.N.A)

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